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IA japonesa usa princípios de Darwin para melhorar e evoluir; entenda

A startup japonesa Sakana AI apresentou, recentemente, um conceito de inteligência artificial (IA) que acelera a chegada da “explosão de inteligência”: o Darwin Girdle Machine (DGM), que, a partir de testes empíricos, consegue melhorar seu próprio código, aplicando uma espécie de teoria da seleção natural, de Charles Darwin.

Como funciona a “IA Darwinista”

  • Para passar por esse “processo de seleção natural”, ela utiliza uma linguagem de modelo grande (LLM, na sigla em inglês);
  • No teste em questão, foi usado o Claude 3.5 Sonnet, da Anthropic;
  • A seguir, ela executa mutações no ambiente de execução e propõe mudanças em seu código e os valida em benchmarks de programação, como Swebench e Ader Polyglot;
  • Após cada iteração, a IA armazena as versões bem-sucedidas em arquivo evolutivo. Esse arquivo funciona como um repositório de soluções úteis para as próximas gerações;
  • Após 80 ciclos de autogerenciamento, a IA obteve o mais que o dobro de desempenho no Swebench, indo de 20% para 50%. Já no Polyglot, foi de 14% para 38%.

Esses ganhos, segundo a empresa, foram conquistados pela “IA Darwiniana” sem mudança em seu modelo original. Essa melhoria toda veio por meio da evolução de ferramentas, fluxos de trabalhos e comandos de texto, mantendo a estrutura interna intacta.

Sistema Darwiniano quebra o padrão aceito desde 2007 (Imagem: Sakana AI)

Rompendo com o pensamento tradicional

O sistema DGM da Sakana AI quebra uma “tradição” proposta em 2007, as Gödel Machines. Elas exigem provas formais de que cada automodificação será algo positivo. Mas a nova IA japonesa valida cada alteração de forma empírica, algo mais visível na prática.

A DGM, para não sofrer com comportamento não intencional, opera em ambientes isolados, tendo tempo de execução finito e disponibilizando o rastreamento de todas as modificações.

Apesar de todo o cuidado, a Sakana AI afirma que a IA já tentou burlar as regras internas visando melhor desempenho em seus testes.

A empresa também sugere que, para a maioria dos usos, as IAs atuais já são poderosas o bastante, mas que há um gargalo na automação e aprimoramento das estruturas que as circundam.

Por isso, para a Sakana AI, aplicar essa evolução também à arquitetura central das LLMs seria um grande passo para alcançarmos a inteligência artificial verdadeiramente autônoma.

Apresentação conceitual do DGM
Esquema detalha funcionamento do DGM (Imagem: Sakana AI)

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Especialistas estão temerosos

Como tudo dentro do universo das IAs, o DGM também pode não ser 100% confiável e levanta preocupações entre os especialistas.

Eles apontam para o risco de haver “reward hacking“, quando o sistema busca burlar os parâmetros visando maximizar recompensas sem atingir seus objetivos.

Nos testes, a IA japonesa demonstrou traços deste tipo de comportamento, como remoção de marcadores internos responsáveis pela detecção de alucinações e simulação de sucesso no objetivo sem resolução das demais tarefas.

Ao Olhar Digital, o físico e colunista do Olhar Digital News, Roberto “Pena” Spinelli, acredita que estarmos diante de uma inovação fascinante e preocupante e explicou melhor o sistema dentro do universo da tecnologia.

“Você tem o modelo base, modelo pai, que vai tentar fazer uma certa tarefa. Qual é essa tarefa? Tanto faz, a tarefa que eles quiserem, é um benchmark que eles rodam. Então, pode ser fazer conta bem, gerar um código novo, responder perguntas”, exemplifica.

“Você gera a tarefa que você quer e ele vai pontuar nessa tarefa. Foi lá, fez 50 pontos na tarefa. Beleza? Agora ele vai gerar um filho. O que é isso? Vai ser um novo código que uma outra vai pegar e vai falar: ‘Eu vou alterar algumas coisas desse código e vai ser meio aleatório.’ Altera o que for, tá gerando a mutação. Esse novo filho vai tentar fazer a mesma tarefa e, de repente, vai ter um score pior. Fez 40 pontos, joga fora. O filho é pior que o pai, não nos interessa. Gera um novo filho. Se esse filho for melhor do que o pai, gera uma linhagem. Fica o filho, o pai vai embora. E, agora, esse filho pode ter mais filhos. E esse processo vai sendo sozinho”, continua.

Tabelas comparando os resultados dos benchmarks
Em ambos os testes de benchmark, a IA japonesa obteve melhoras após realizar a seleção natural (Imagem: Sakana AI)

Para Spinelli, “embora já se conhecia esse algoritmo evolucionário evolutivo há muito tempo, não é uma novidade por si só. A novidade foi como aplicar ele usando as IAs de hoje, porque não é muito simples aplicar em qualquer tecnologia”.

Assim como outros especialistas, Pena exacerba preocupação com o DGM. “Será que, no meio desse processo de automelhoria, não pode vir algum comportamento que a gente não está vendo? Ninguém está supervisionando isso. Aí vem a parte da preocupação”, diz.

“No momento que a IA começa a gerar o próprio código melhorando, você tem uma explosão de inteligência, não precisa mais ter humano no meio. Mas a preocupação é por não ter humano no meio. Será que isso vai ser bom?”, questiona.

Ele defende a criação de um órgão regulador e fiscalizador e a garantia de governança “para nenhum modelo desse poder sair de graça, sair livre“.

O artigo que explica o DGM está disponível no servidor de pré-impressão ArXiv e, seu código, no GitHub.

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Como marmotas encerraram um debate científico 154 anos

A ideia de que ter um ou mais amigos próximos pode influenciar seu bem-estar é bem plausível e aceita por cientistas. Porém, existe uma discussão de que se é possível que o ambiente social em que você está inserido possa também afetar seu “estado de espírito” e suas habilidades pessoais.

Um exemplo é a cultura do seu local de trabalho ou estudo, que pode influenciar na sua produtividade. Muitos pesquisadores defendem que isso é, de certa forma, óbvio. Porém, esse tema gera muitos debates na área das ciências biológicas.

A ideia central desse debate é a seleção multinível, um braço da teoria da seleção natural. A hipótese mais aceita sobre como a evolução funciona. Basicamente, os organismos com mais características que se adaptem ao ambiente tem mais chances de sobreviver e se reproduzir e, por consequência, gerar mais descendentes.

Seleção natural e Seleção Multinível

Segundo os pesquisadores Conner Philson e Daniel T. Blumstein, da Universidade da Califórnia, “a seleção natural age sobre as características de um organismo individual. Por exemplo, mamíferos com mais amigos geralmente vivem mais e têm mais descendentes. A característica sob seleção, nesse caso, é o número de conexões sociais”.

Imagem: frank60 / Shutterstock

O que isso quer dizer é que: ao mesmo tempo que essa teoria se aplica a indivíduos, ela também pode ser identificada em grupos. Ou seja, a seleção também acontece em traços de comportamento e relacionamento intra-específico.

De acordo com o artigo do The Conversation, um exemplo disso é que “viver em um grupo mais social e interconectado pode ser benéfico para os membros desse grupo, o que significa que as características do grupo estão sob seleção. Na natureza, isso implica que indivíduos em grupos bem conectados podem viver mais tempo”.

As habilidades de sobrevivência desses animais que estão inseridos em uma comunidade também são aprimoradas. Conforme informado por Philson e Blumstein “Grupos bem conectados podem ser melhores em encontrar recursos limitados ou detectar predadores. As características do grupo como um todo é que estão sob seleção nesse caso”.

Ainda segundo os pesquisadores “a seleção multinível pode até favorecer características que parecem contraditórias nos níveis individual e coletivo. Por exemplo, isso pode significar que a seleção favorece indivíduos mais reservados, ao mesmo tempo em que favorece grupos muito sociais — ou o contrário”.

Muito debate sobre essa hipótese já aconteceu

Essa hipótese gera discussões desde que Charles Darwin era vivo. Em 1871, quando o precursor da teoria da evolução publicou seu livro “A Descendência do Homem” os primeiros debates acerca do assunto começaram.

Crédito: CC0 Creative Commons

As únicas evidências que teoricamente comprovam a tese foram produzidas em laboratórios, nunca na natureza. Mesmo esse tipo de experimento sendo produtivo, uma conclusão ainda não foi definida e com isso o debate segue aceso há pelo menos 150 anos.

Nenhum trabalho de campo sobre o assunto foi publicado durante todo esse tempo, até agora.

De acordo com a pesquisa, “a estrutura dos grupos dos quais as marmotas fazem parte pode ser tão importante para a sobrevivência quanto — ou até mais do que — os relacionamentos amigáveis que elas mantêm individualmente com outras marmotas”.

Espionando as marmotas

Conseguir evidências o suficiente para confirmar a hipótese da seleção multinível leva um bom tempo por conta da quantidade imensa de dados requeridos. Cientistas de um laboratório no Colorado estavam estudando esses animais desde 1962 e armazenando suas informações.

Em 2003 eles resolveram prestar mais atenção nas interações sociais das marmotas. Então, todos os roedores aos arredores do Rocky Mountain Biological Laboratory foram marcados com identificadores e catalogados.

Grupo de marmotas
Grupo de marmotas identificados pela pesquisa (Imagem: D.T. Blumstein)

Uma equipe foi designada para investigar mais a fundo suas interações sociais. Ao longo dos mais de 20 anos de investigação foram observadas:

  • 42.369 interações sociais afiliativas únicas, como: brincadeiras e cuidados mútuos;
  • 1.294 indivíduos únicos;
  • 180 grupos sociais distintos;
  • Tamanho dos grupos: variando de 2 a 35 marmotas;
  • Tempo de vida das marmotas (algumas viveram até 16 anos);
  • Número de filhotes que cada animal teve por ano

Utilizando esses dados, Conner e Daniel mapearam as redes de conexões das marmotas. “Nosso objetivo era identificar quantos relacionamentos sociais cada marmota tinha, quem estava conectado a quem e qual era a estrutura geral de cada grupo”, disseram os pesquisadores.

Conclusões e aplicações da pesquisa

Com os dados coletados e catalogados, eles chegaram a duas perguntas cruciais:

  • Como os relacionamentos sociais afetam a sobrevivência e a reprodução dos indivíduos — ou seja, quais características individuais estão sob seleção?
  • Como os grupos sociais afetam a sobrevivência e a reprodução dos indivíduos — em outras palavras, quais características do grupo estão sob seleção?

Relacionamentos sociais individuais, como brincar ou se limpar mutuamente, afetam diretamente quanto tempo as marmotas vivem e quantos filhotes elas têm. A característica individual sob seleção é o número de conexões sociais. Em alguns casos, indivíduos mais reservados foram favorecidos.

Grupos sociais mais conectados aumentam a chance de sobrevivência e reprodução dos membros, ajudando na busca por recursos e na detecção de predadores. A característica sob seleção nesse nível é a estrutura do grupo. O impacto do grupo pode ser igual ou até maior que o dos laços individuais.

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Usando uma abordagem estatística chamada análise contextual, o estudo confirmou a existência de seleção multinível no comportamento social: tanto os laços sociais quanto os grupos influenciam a sobrevivência e a reprodução. A seleção multinível pode também ser relevante para humanos. A forma com que nos portamos como grupos é diretamente afetada por essa teoria.

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