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Medição da partícula múon atinge precisão sem precedentes

Há 12 anos, cientistas transportaram um enorme anel magnético de 15 toneladas por um trajeto de mais de cinco mil quilômetros nos EUA. O destino era o laboratório Fermilab, em Illinois. O equipamento serviria para estudar uma partícula subatômica chamada múon, prima do elétron, mas bem mais pesada e instável. Agora, a equipe divulgou o resultado final do experimento: a medição mais precisa já feita da oscilação dessa partícula.

Submetido à revista científica Physical Review Letters, o estudo representa um marco para a física. Os pesquisadores esperavam que a medição pudesse indicar a existência de forças ou partículas ainda desconhecidas no Universo – algo além do que a ciência atual explica. “Queremos entender do que o Universo é feito e como ele funciona”, afirmou Peter Winter, físico do laboratório Argonne e porta-voz do projeto chamado Muon g-2, em um comunicado.

Os resultados de 3 de junho de 2025 do Fermilab representam a análise dos dados de melhor qualidade do experimento como resultado de ajustes e aprimoramentos no experimento em 2023, que melhoraram a qualidade do feixe de múons e reduziram as incertezas. Crédito: Ryan Postel, Fermilab

Em poucas palavras:

  • Um anel magnético de 15 toneladas foi usado para medir a oscilação do múon;
  • O objetivo era verificar se essa partícula revelaria sinais de forças ou partículas desconhecidas no Universo;
  • O experimento confirmou o valor de g-2, mas há duas previsões teóricas que ainda não se conciliaram;
  • A medição final atingiu precisão recorde, porém coincide com uma previsão que não sugere nova física;
  • Mesmo sem novidades, o estudo é crucial para entender limites da teoria atual e buscar novas direções.

A oscilação do múon pode ser prevista com base na teoria atual, chamada Modelo Padrão, que descreve como funcionam as partículas e forças conhecidas. No entanto, existem duas previsões diferentes sobre esse valor. O novo resultado combina com uma delas. O problema é que os cientistas ainda não sabem qual previsão está correta. Até lá, não é possível afirmar se algo novo foi realmente descoberto.

“Os físicos experimentais fizeram sua parte com excelência”, disse Aida El-Khadra, da Universidade de Illinois, que lidera a equipe responsável pelos cálculos. Agora, os teóricos precisam resolver as diferenças entre suas próprias previsões. Por enquanto, como ela disse, “o júri ainda está em debate”.

Gráfico mostra a quantidade acumulada de dados analisados (em número de pósitrons) ao longo dos seis períodos de coleta de dados, ou execuções, de abril de 2018 a maio de 2023. Crédito: Colaboração Muon g-2

O que é um múon?

Mas afinal, o que é um múon? Ele é parecido com o elétron, mas cerca de 200 vezes mais pesado. Quando colocado num campo magnético, o múon gira como um pião. Essa oscilação é medida por um número chamado “g”. Em teoria, se nada interferisse, esse valor seria exatamente 2. Só que a mecânica quântica mostra que até o vácuo do espaço está cheio de partículas “fantasmas”, que surgem e somem rapidamente.

Essas partículas virtuais, embora invisíveis, interagem com o múon e fazem com que seu g mude um pouquinho. Esse pequeno desvio é chamado de “g-2” (lê-se “g menos 2”). Se g-2 for diferente do previsto, pode ser sinal de algo novo acontecendo, como partículas desconhecidas ou forças que ainda não compreendemos.

Para prever com precisão o valor de g-2, os cientistas geralmente usam dados de diversos experimentos, combinando-os com a teoria. É um processo complexo e, segundo El-Khadra, quase uma “trapaça honesta”, pois evita cálculos diretos. Ainda assim, é uma maneira válida e amplamente aceita na física.

Vista aérea do anel principal da unidade aceleradora no Fermilab Múon g-2. Crédito: John McAdorey – Shutterstock

Enquanto isso, os experimentos continuam. Nos anos 1990, cientistas do Laboratório de Brookhaven, em Nova York, criaram um anel magnético de 15 metros de diâmetro. Os múons circulavam ali dentro e sua oscilação era registrada por sensores. O resultado foi intrigante: o g-2 medido diferia do previsto pela teoria, indicando uma possível nova física.

A diferença entre o valor medido e o teórico chegou a 3,7 sigma – uma medida usada para indicar o grau de certeza em experimentos. O ideal para confirmar uma descoberta é 5 sigma. Por isso, em 2013, o anel foi transportado de Brookhaven para o Fermilab, onde os cientistas poderiam fazer medições ainda mais precisas, graças a uma fonte mais potente de múons.

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Valor de 20 anos atrás se repete com 21 vezes mais precisão

Em 2021, o Fermilab confirmou o valor encontrado em Brookhaven. Dois anos depois, os dados atingiram os 5 sigma. A expectativa era enorme. No entanto, surgiu uma nova previsão teórica para g-2 baseada em supercomputadores. Essa nova abordagem simula o Universo em uma espécie de grade, sem usar dados experimentais. Curiosamente, ela combina perfeitamente com o valor medido no experimento.

Ou seja, se essa nova previsão estiver correta, não há discrepância entre teoria e experimento. E isso enfraquece a ideia de que uma nova física foi descoberta. Desde então, os teóricos tentam entender por que suas duas previsões são diferentes, enquanto os dados experimentais continuam sendo refinados.

Na última terça-feira (27), o Fermilab divulgou sua medição final: 0,00233184141. É o mesmo valor de 20 anos atrás, mas agora com uma precisão 21 vezes maior – tão precisa quanto medir um campo de futebol com margem de erro menor que a espessura de um fio de cabelo.

Para os físicos, esse número representa o fim de uma longa etapa. “Estou aliviado e triste ao mesmo tempo”, disse Marco Incagli, porta-voz da colaboração internacional. A equipe ainda divulgará resultados sobre possíveis sinais de matéria escura e espera contribuições de um experimento japonês que usará outro método para medir g-2.

Mesmo que nenhuma nova física seja revelada, os cientistas consideram o trabalho valioso. Como disse El-Khadra, saber o que não existe ajuda a entender melhor o que pode existir. O confronto entre previsões e medições pode revelar caminhos inesperados para entender o Universo. “É fundamental ter os dois lados da equação e seguir com o trabalho. Grandes ideias ainda podem surgir disso.”

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Cientistas acabam de ver uma cor inédita! Mas você não pode vê-la

Já imaginou poder ver cores inéditas? Bem, parece que isso já é realidade: pesquisadores da Universidade da Califórnia e da Universidade de Washington se uniram para criar uma técnica que lhes permitiu enxergar uma nova cor jamais vista por seres humanos. O experimento foi detalhado em um artigo publicado na revista Science Advances.

Entenda:

  • Pesquisadores afirmam ter criado uma técnica que permite enxergar uma nova cor jamais vista por humanos;
  • A técnica – chamada de Oz – consiste em disparar pulsos de laser nos olhos para estimular as células da retina;
  • O método supostamente ampliou os limites naturais de percepção e permitiu a visualização da nova cor – que ganhou o nome de olo;
  • Olo foi descrita como uma espécie de azul-esverdeado altamente saturado;
  • A experiência, porém, já está sendo contestada por especialistas.
Técnica supostamente permite enxergar nova cor nunca vista por humanos. (Imagem: patat/Shutterstock)

Como explicam os autores do estudo, a técnica (batizada de Oz, em homenagem a O Mágico de Oz) usa pulsos de laser disparados diretamente nos olhos para estimular células individuais da retina. O método amplia os limites naturais de percepção e, com isso, permitiu que voluntários e alguns membros da equipe enxergassem a nova cor – que acabou ganhando o nome de olo.

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Como é a nova cor vista pelos cientistas?

Olo foi descrita pelos autores e participantes do estudo como um azul-esverdeado altamente saturado. A descrição, entretanto, não faz jus à rica experiência de realmente enxergar a nova car: “Foi de cair o queixo”, contou Ren Ng, da Universidade da Califórnia, ao The Guardian.

A equipe até chegou a compartilhar uma imagem (que pode ser vista abaixo) para ajudar a ilustrar olo, mas destaca que a verdadeira cor só pode ser vista com a técnica Oz. “Não há como transmitir essa cor em um artigo ou monitor. A questão toda é que essa não é a cor que vemos, simplesmente não é. É uma versão dela, mas empalidece completamente em comparação com a experiência de olo”, complementou Austin Roorda, pesquisador do estudo.

Representação aproximada de olo, a nova cor vista pelos cientistas. (Imagem: James Fong et al./Science Advances)

Experiência de nova cor foi contestada

A experiência de olo vem sendo contestada por especialistas. John Barbur, da Universidade de Londres, disse ao The Guardian que a pesquisa tem “valor limitado”, e não há como olo ser uma nova cor.

“É um verde mais saturado que só pode ser produzido em um indivíduo com mecanismo cromático vermelho-verde normal quando a única informação vem dos cones M [fotorreceptores da retina que reagem a ondas de luz de comprimento médio]”.

Apesar disso, os criadores da técnica acreditam que Oz possa ser usada para apoiar estudos do daltonismo – e, talvez, até mesmo ajudar a tratar o distúrbio.

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O homem que se isolou numa caverna e criou uma nova ciência

Em 1962, um jovem geólogo francês decidiu se isolar por dois meses no fundo de uma caverna nos Alpes. Sem relógio, sem luz do sol, sem qualquer noção do tempo. O que começou como uma missão científica virou um experimento radical — e acabou revelando algo inesperado: o corpo humano tem um relógio interno, capaz de funcionar por conta própria. Nascia ali, sem querer, a cronobiologia.

Michel Siffre viveu 63 dias a 130 metros de profundidade, em um ambiente úmido, escuro e congelante. Sem contato com o mundo externo, anotou tudo em um diário. Aos poucos, seus ciclos de sono se desregularam e o tempo perdeu o sentido. Em testes, contar até 120 levava cinco minutos. Quando o experimento terminou, ele acreditava estar em agosto — mas já era setembro.

A princípio, muitos duvidaram. Com o tempo, porém, a experiência chamou a atenção da NASA e de militares franceses, interessados em entender como o corpo reage sem referências temporais. A façanha rendeu novos estudos, mais imersões e a criação de um campo científico inteiro. A história completa foi publicada pelo site IFLScience.

Quando o tempo perde o sentido

A grande descoberta de Siffre foi que o corpo humano não depende do Sol para marcar as horas. Livre de qualquer referência externa, o organismo cria seu próprio tempo — e ele pode ser bem diferente do ciclo de 24 horas. O experimento abriu espaço para uma pergunta nova (e estranha): quanto tempo dura um dia, se ninguém disser que ele acabou?

Sem sol ou relógio, o corpo cria seu próprio tempo — e ele nem sempre dura 24 horas.

Nos anos seguintes, outros voluntários se juntaram à pesquisa. Alguns passaram a viver dias com 25 horas, seguidos por noites de 12. Outros, mais extremos, chegaram a ficar acordados por três dias seguidos — e só então desabavam. Um deles dormiu por 33 horas ininterruptas, deixando os cientistas em pânico.

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Esses desvios mostraram que o “relógio biológico” é mais flexível — e caótico — do que se pensava. A cronobiologia passou a investigar como o cérebro lida com a passagem do tempo, e o que acontece quando ele é deixado por conta própria. O isolamento em cavernas virou laboratório. O que antes era visto como maluquice virou ciência séria.

Do fundo da caverna para o mundo

Nem todo mundo ficou impressionado com os feitos de Siffre. Na época, ele foi acusado de buscar fama com experimentos arriscados e pouco convencionais. Ambientalistas temiam que suas idas ao subsolo prejudicassem ecossistemas frágeis, sensíveis à presença humana. E, para alguns cientistas, o fato de ele não ser biólogo colocava em dúvida a validade de tudo aquilo.

Homem isolado na caverna.
Sem sol ou relógio, o corpo cria seu próprio tempo — e ele nem sempre dura 24 horas (Imagem: Smit/Shutterstock)

Mas o tempo — esse mesmo que ele ajudou a desconstruir — provou que estavam errados. A cronobiologia, campo que Siffre ajudou a fundar, hoje investiga desde o jet lag até a relação entre o relógio interno e o câncer. Seu trabalho também chamou a atenção de forças armadas e agências espaciais.

Hoje, dificilmente alguém repetiria seus experimentos na mesma intensidade — e com tanto risco físico e mental. Mas o impacto continua. Seu legado é a prova de que, mesmo nas profundezas da Terra, é possível fazer descobertas que iluminam a ciência.

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